sábado, 12 de maio de 2012


Os leões

Hoje não, mas há anos os leões foram perigo. Milhares, milhões deles corriam pela África, fazendo estremecer a selva com seus rugidos. Houve receio de que eles chegassem a invadir a Europa e a América. Wright, Friedman, Mason e outros lançaram sérias advertências a respeito. Foi decidido então exterminar os temíveis felinos. O que foi feito da maneira que se segue.

A grande massa deles, concentrada perto do Lago Tchad, foi destruída com uma única bomba atômica de média potência, lançada de um bombardeiro, num dia de verão. Quando o característico cogumelo se dissipou, constatou-se, por fotografias, que o núcleo da massa leonina tinha simplesmente se desintegrado. Rodeava-o um setor de cerca de dois quilômetros, compostos de postas de carne, pedaços de osso e jubas sanguinolentas. Na periferia, leões agonizantes.

A operação foi classificada de “satisfatória” pelas autoridades encarregadas. No entanto, como sempre acontece em empreendimento desta envergadura, os problemas residuais constituíram-se, por sua vez, em fonte de preocupação. Tal foi o caso dos leões radioativos, que tendo escapado à explosão, vagueavam pela selva. É verdade que cerca de vinte por cento deles foram mortos pelos zulus nas duas semanas que se seguiram à explosão. Mas a proporção de baixas entre os nativos (dois para cada leão) desencorajou mesmo os peritos mais otimistas.

Tornou-se necessário recorrer a métodos mais elaborados. Para tal criou-se um laboratório de treinamento de gazelas, cujo objetivo primário era liberar os animais do instinto de conservação. Seria fastidioso entrar nos detalhes deste trabalho, aliás muito elegante; é suficiente dizer que o método utilizado foi o de Walsh e colaboradores, um espécie de brain-wash adaptado a animais. Conseguido um número apreciável de gazelas automatizadas, foi ministrado às mesmas uma forte dose de um tóxico de ação lenta. As gazelas procuravam leões, deixaram-se matar e comer; as feras, ingerindo a carne envenenada, vieram a ter morte suave em poucos dias.
A solução parecia ideal; mas havia uma raça de leões (poucos, felizmente) resistente a este e a outros poderosos venenos. A tarefa de matá-los foi entregue a caçadores equipados com armamento sofisticado e ultra-secreto. Desta vez, sobrou apenas um exemplar, uma fêmea que foi capturada e esquartejada perto do Brazzaville. Descobriu-se no útero do leoa um feto viável; pouco radioativo, o animalzinho foi criando em estufa. Visava-se, como isto, a preservação da fauna exótica.

Mais tarde o leãozinho foi levado para o Zoo de Londres onde, apesar de toda a vigilância, foi assassinado por um fanático. A morte da pequena fera foi saudada com entusiasmo por amplas camadas da população. “Os leões estão mortos!” – gritava um soldado embriagado. – “Agora seremos felizes!”

No dia seguinte começou a guerra da Coréia.

(Moacyr Scliar, O carnaval dos animais)

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